domingo, 9 de abril de 2017

Onde mulheres caratecas nocauteiam marmanjos atrevidos todos os dias

Poucas coisas na vida me fizeram sentir tanta vergonha dos meus colegas de gênero quanto os movimentos #MachosUnidos e #ForçaZéMayer, que surgiram nas redes sociais em solidariedade ao ator que reconheceu ter assediado a figurinista Susllen Tonani. Uma dessas coisas certamente foi o diálogo que me vi intimado a travar – e do qual reproduzo os melhores piores momentos ­– com um amigo de um amigo de um amigo no Facebook, dias atrás.

Só peço que não tirem as crianças da sala – que elas têm de ser educadas desde o útero sobre a machocracia que ainda submete as mulheres a todo tipo de violência.

“Chega de mimimi. Que as mulheres conquistem seu espaço, mas que isso não transforme todos os homens em estupradores e agressores.”

Deixe que eu lhe explique a frase “Os homens são machistas”: essa generalização é só uma forma de mostrar que o machismo não é exceção, algo que um ou outro amiguinho nosso pratica de vez em quando (tão raramente quanto lavar a louça ou ir à reunião na escola); serve apenas para reforçar a ideia de que a supremacia masculina é regra, tem caráter histórico e se estrutura numa relação de desigualdade socialmente aceita e tão naturalizada, que usuários de cueca (como nós) muitas vezes nem percebem. Mas pode dormir tranquilo e com a luz apagada – que o feminismo é capaz de ver os cinquenta tons de cinza (e vermelho e amarelo e azul e verde) que você não enxerga nem numa reles sentença.

“Esses ismos me preocupam. A sociedade está indo na direção oposta ao ideal de igualdade. O que falta as mulheres conquistarem?”

Quer que eu desenhe? Que tal igualdade salarial? Em média, elas recebem 25,6% menos do que os homens, ainda que desempenhem as mesmas funções e tenham a mesma formação educacional. Que tal uma divisão justa da jornada de trabalho? Elas costumam trabalhar 7,5 horas a mais por semana, já que assumem a maior parte dos afazeres domésticos. Que tal mais representatividade? Dê uma olhada no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais: as mulheres mal ocupam 10% das cadeiras. Nossos números são inferiores (cuidado para não desfalecer) aos do Oriente Médio, que tem uma taxa de participação feminina de 16%.

“Cadê a delegacia para tratar homens agredidos por esposas? Quais os direitos que nós temos que nos protegem dos ataques diários que sofremos por parte das mulheres?”

Suas reivindicações de macho-alvo fazem parecer 1) que maridos, namorados, peguetes e afins são regularmente submetidos a maus-tratos pela vil ditadura do matriarcado e 2) que uma delegacia só para mulheres é um privilégio. Não é. Estamos num país em que, a cada onze minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência. Mulheres são agredidas e assassinadas por serem mulheres (assim como homossexuais são agredidos e assassinados por serem homossexuais). Homens não são agredidos e assassinados por serem homens (assim como héteros não são agredidos e assassinados por serem héteros). Homens podem ser agredidos e assassinados por serem negros, mas aí já é um outro crime (chama racismo, ouviu falar?). Vou lhe contar uma historinha que ilustra bem a sociedade em que vivemos: certa vez, perguntei a um grupo relativamente grande de pessoas quem ali tinha medo de pegar um táxi sozinho à noite. Só as mulheres levantaram a mão.

“O que eu sei é que elas têm dezenas de defensores porque são vistas como sexo frágil. Tenho uma amiga que é taxista e costuma viajar na madrugada, de um estado para o outro, com desconhecidos. Ela faz musculação, é faixa preta em caratê, treinou jiu-jitsu e já nocauteou marmanjo atrevido que se meteu a besta com ela. Não teme bandido.”

(Eu que fui às cordas depois dessa. Como já era tarde, só tive forças para balbuciar uma derradeira resposta, antes de me desconectar e correr para o travesseiro:)

Ainda hei de conhecer esse recanto exótico do nosso Brasil – onde mulheres caratecas nocauteiam marmanjos “atrevidos” todos os dias. Fica em alguma esquina do Projac?

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