domingo, 24 de abril de 2016

Virando o disco

Fui vítima de um e-mailaço nos últimos dias. Leitores encheram minha caixa de entrada com mensagens pedindo que eu falasse menos de política e desse mais espaço a outros assuntos. “Reconheço a importância do tema”, um deles escreveu, “mas já não aguento mais encarar, texto após texto, expressões de baixo calão como ‘ditadura militar’, ‘grande mídia’, ‘liberalismo econômico’ e ‘bolsonaro’”.

Em respeito a esses leitores, então, vou tentar subir o nível (pelo menos hoje) e atender às solicitações dos que não só reclamaram, como ainda enviaram sugestões.

Um velho amigo implorou “uma palavrinha que fosse” sobre o Prince, encontrado morto em seu estúdio na quinta passada. Como detesto perder a piada, fiquei tentado em responder a ele com aquele símbolo impronunciável adotado pelo músico. Mas desisti da brincadeira ao imaginar a resposta – também impronunciável – que poderia receber.

Que posso dizer do artista? Que o descobri aos nove anos, depois de uma sessão de Batman. Saí do cinema direto para uma loja de discos. Precisava saber o nome da canção que embalara o Coringa e sua gangue enquanto pintavam com tinta e irreverência o museu de Gotham. Ao virar o bolachão – que na capa trazia somente o símbolo do Homem-Morcego –, fui enfim apresentado ao músico, responsável não apenas pela faixa que procurava (“Partyman”), mas também por todas as outras do álbum.

Já falei algo parecido sobre o Bowie e serve para o Prince: pouco importa que não sejamos aqueles fãs que enfrentam até chuva (púrpura, no caso) pelo ídolo; se sua obra é de fato relevante, vai nos molhar de um jeito ou de outro.

Ao e-mail seguinte: que, coincidentemente, também tinha a ver com um Batman (o do Ben Affleck, dessa vez). Uma querida leitora confessou que esperava um pitaco meu sobre o último longa da DC, que reuniu o Cavaleiro das Trevas, o Superman e a Mulher-Maravilha. O que posso afirmar é que ainda aguardo uma ameaça à altura da santíssima trindade da Liga da Justiça; genérico demais o monstrengo criado por Lex Luthor – uma mistura sem personalidade de Abominável (O incrível Hulk), Azog (O hobbit) e tantas outras criaturas bombadas de músculos digitais.

Dos super-heróis da fantasia para os do mundo real: os jogadores do Leicester. Quer história mais cinematográfica do que a do time de investimento modestíssimo que está prestes a ganhar a Premier League, desbancando os milionários Manchesters (United e City), Liverpool, Arsenal e Chelsea? Mil agradecimentos ao primo louco por mesas-redondas que, ao reivindicar umas linhas sobre futebol, me deu a chance de reverenciar esse milagre que só o esporte é capaz de proporcionar.

Porque fora das quatro linhas – no dia a dia dos pontos corridos – tem sido quase impossível celebrar narrativa semelhante, já que a distância entre pobres e ricos no mundo só vem aumentando. Da mesma forma que seria muito mais interessante um torneio em que todas as equipes desfrutassem de um poderio financeiro equivalente (o que tornaria a disputa mais acirrada), seria golaço um planeta em que cada ser humano desse o pontapé inicial na copa da vida em igualdade de condições com o vizinho.

Na trave.

Melhor eu parar por aqui – que esse papo de "distância entre pobres e ricos" e "igualdade de condições com o vizinho" vai acabar me fazendo pôr aquele assunto no repeat.

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