domingo, 17 de abril de 2016

Dormindo com o inimigo

As morozetes que me desculpem: mas para mim todos são inocentes até que se prove o contrário. Mesmo aqueles que saem às ruas com a camisa amarelinha a favor dos militares e contra os comunistas  e que fariam jus a uma condução coercitiva às aulas de História – merecem que acreditemos em suas boas intenções, em seu desejo verdadeiro de um país melhor.

Só que às vezes a ingenuidade, quase sempre fruto da falta de informação, pode ser tão danosa quanto a má-fé.

Vejam o caso do sujeito que passeateia por aí exigindo, ao mesmo tempo, a saída de Dilma e o fim da corrupção. Talvez ele não saiba, mas há mais de um ano está parado na Casa do Cunha um pacote de leis anticorrupção enviado para lá pela... presidenta. Projetinhos que, entre outras coisas, endurecem a punição contra os fazedores de caixa dois; tipificam o crime de enriquecimento ilícito de agentes públicos (inclusive políticos); preveem perda antecipada de bens provenientes da corrupção.

Oxalá nossos deputados – tão ficha-limpamente preocupados com o futuro da nação e o respeito ao dinheiro público – discutissem e aprovassem tais propostas com a mesma celeridade com que agilizaram o processo de impeachment, em reuniões que vararam madrugadas e sessões que se estenderam a sábados e domingos.

Outro tipo de manifestante aparentemente afeito a paradoxos é o que reivindica uma escola pública de qualidade e vota em partidos com visão de mundo abertamente liberal (como o PSDB). Mal sabe ele que as duas ações não cabem na mesma urna. Sobre essa incompatibilidade, aliás, é particularmente esclarecedor o artigo “A sociedade órfã”, escrito por José Renato Nalini, atual secretário de Educação do estado de São Paulo (ou seja: integrante de um governo tucano). Em seu texto, Nalini critica a “proliferação de direitos fundamentais” e o “papel de provedor” do Estado, que “se assenhoreia de incumbências que não seriam dele”. Para o secretário, afora segurança e justiça, “tudo o mais deveria ser providenciado por particulares”.

Deve ser por isso, então, que as escolas paulistas delegaram a pais e responsáveis a tarefa de providenciar a merenda dos alunos.

Um último caso de militante sem noção é aquele que, no auge da insatisfação com mensalinhos e mensalões, apela para a volta dos militares, pois tem certeza de que, Naquele Tempo, não havia corrupção. Sorte dele que hoje existe Google e não existe censura. O sabichão pode digitar empreiteiras + ditadura, dar um enter sem medo de ser preso por conspirar contra a pátria e descobrir estudos (como A ditadura das empreiteiras, do historiador Pedro Campos) que mostram que o casamento entre megaconstrutoras e governo federal já completou bodas de ouro e teve sua lua de mel no regime militar – quando a relação era ainda mais intensa e, em razão dos poucos mecanismos fiscalizadores, bem menos exposta.

Poucas vezes se deitou tão eternamente como agora no mesmo berço esplêndido que o opressor. Só espero que não seja tarde quando (e se) o Gigante acordar.

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