domingo, 14 de junho de 2015

Santa estupidez

Como são as coisas: o vice-presidente Michel Temer compara o ministro Joaquim Levy a Jesus Cristo e nenhum feliciano se pronuncia contra uma blasfêmia dessas. Que eu saiba, o mentor do ajuste fiscal – responsável pelo aumento de impostos e por cortes na saúde e na educação – não representa uma classe oprimida ou injustiçada; muito menos é um subversivo, ainda mais quando se trata de economia.

O mesmo não se pode dizer, no entanto, da atriz transexual (Viviany Beleboni) que, na Parada Gay do último domingo, assumiu o papel de Cristo crucificado para protestar contra os crimes sofridos pelos homossexuais mundo afora. Ela, sim, encarna uma categoria ampla e historicamente perseguida – e, portanto, faz todíssimo jus à cruz que carregou pela Avenida Paulista durante o evento.

Certeza de que o Jesus ao qual fui apresentado – um homem inteligente e sinônimo de amor segundo a tradição cristã – aprovaria a encenação.

Não houve ali, como alguns malafaias espalharam pelas redes sociais, ataque à fé ou deboche ao sagrado. Ao contrário. A escolha do mais emblemático símbolo cristão – que encerra o sofrimento de todos os excluídos e marginalizados pela sociedade, sejam eles homens ou mulheres, hétero ou homossexuais – só sublinha o respeito da comunidade gay pela figura em questão.

Difícil entender que, no instante em que Viviany resgata a Paixão, ela reconhece – em nome dos seus – o abrigo que a imagem representa para cada um que nela acredita?

Dificílimo, sim, para a massa que se deixa contaminar pelo perigoso vírus da imbecilidade, da parvoíce, da indigência cognitiva (os nomes são vários) que adoece o país. Um vírus inoculado por criaturas que só têm interesse em lucrar com a ignorância alheia. A propósito, quantos dinheiros não devem render a certas igrejas (sic) “tratamentos” como o da cura gay?

Curiosidade: essas mesmas criaturas não atiraram suas pedras quando, em 2012, a revista Placar pôs na capa um Neymar crucificado, sob a justificativa de que o jogador (à época chamado de cai-cai) teria virado “bode expiatório em um esporte onde todos jogam sujo”. Nesse caso, sim, talvez coubesse alguma indignação: afinal, o então craque do Santos não era – jamais foi, pelo menos a partir do momento em que se tornou profissional – um excluído, um marginalizado.

Ali era evidente o uso sensacionalista da imagem sagrada para os cristãos; era óbvio o fim meramente comercial. Mas a lógica do lucro a qualquer preço – tão cara aos que se julgam corretores do Céu e do Inferno, incessantemente (em)pregada por eles em seus shopping centers da fé – não costuma alarmá-los. Para esses seres ungidos com óleo de peroba, pecado capital é perder um bom negócio.

Não importa que o endereço da firma seja Sodoma ou Gomorra.

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