domingo, 7 de junho de 2015

Desafio poético

Há algumas semanas, uma querida amiga me desafiou a postar no Face quatro poemas da minha vida. Em quatro dias. Pa-ra-quê. O ato de escolher esse e desescolher aqueles cinco mil e quatrocentos fez certas convicções gaguejarem. Como optar por um Drummond sem magoar um Bandeira? Como decidir por um Quintana sem aborrecer um Leminski? Como eleger um Vinicius sem melindrar um Pessoa?

Reconheço: publicar antologias de quatro poemas da minha vida não é um dos talentos deste reles cronista.

Mas ignorar um convite também não é. Eu não podia deixá-lo sem resposta. Foi então que veio a ideia – politiquérrima, admito – de selecionar versos que não tivessem saído das estrofes de um Neruda. Que tivessem saído, sim, de uma canção despretensiosa, de um filme reprisado mil vezes, de uma situação aparentemente qualquerzinha – quando em geral é preciso mais do que cinco sentidos para detectar a tal da poesia.

Essa saída nada honrosa, pretendo compensar não me restringindo a um fab four: recito cinco, seis, quantos instantes rimarem à memória, pode ser?

Que tal começar pela infância? Pelo cancioneiro da Xuxa? Certos versos da loira me encantam até hoje graças ao estranhamento que ainda provocam: “se tudo que é livre/ é superincrível/ tem cheiro de bala, capim e chulé”; “o He-Man dança um rock gravado por Tom Jobim/ enquanto a She-Ra namorava o Esqueleto no jardim”; “quem canta no chuveiro todo mal vai espantar/ casamento de viúva, sol e chuva sem parar”.

Quem há de negar que existe aí uma pegada surrealista?

O cinema também me deixou seus alumbramentos; e não estou falando apenas de lirismos explícitos, como o ET voando de bicicleta com aquela megalua ao fundo ou a abóbora se fantasiando de carruagem para a Cinderela ir ao baile. Falo do Cameron praticamente tragado pela tela Tarde de domingo na Ilha de Grande Jatte, de Georges Seurat, em Curtindo a vida adoidado.

Não importa quantas vezes eu veja aquela cena: sempre me perco no caminho entre os olhos do rapaz e o quadro impressionista.

Até a tevê deu sua contribuição para minha antologia de poemas improváveis. Como não guardar o epílogo do episódio em que o menino Chaves e a vila inteira vão para Acapulco? Aquela pouquíssima luz, eles quase sombras ao redor da fogueira, a musiquinha triste, a promessa de se despedir “sem dizer adeus jamais”, e eu vou ali assoar o nariz antes que esse momento ternura-só-lâmina corte meu coração novamente.

Fechando com chave dezoito quilates, uma estrufa, digo, uma estrofe que minha Fernanda e eu burilamos pelo menos uma vez por semana, geralmente à tardinha, quando os dois estão em casa: paramos tudo – especialmente o relógio vermelho da cozinha – e dividimos um chocolate. Pode ser um bombom, pode ser uma barra. E de repente riscamos a terceira margem de um rio que só nós conhecemos.

Exagero ultrarromântico? Nananinanão. Apenas um haicai que, a despeito de sua extensão, é sempre infinito enquanto dura.

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