domingo, 29 de março de 2015

Sugestão de setlist

O vento balançando as folhas das árvores é um clichezaço, mas costuma funcionar. Faz a gente lembrar que existe uma força capaz de falar mais alto que a nossa voz.

Mas se for para começar com uma voz propriamente dita, tente a da Fernanda Takai, a da Marisa Monte, a da Zélia Duncan. Uma canção em especial? Agora não me ocorre nenhuma. Não importa. O que vale é ouvir qualquer verso que jorre de suas gargantas. Pode ser ciranda cirandinha ou que seja infinito enquanto dure. Certeza de que sairá da fonte livre de impurezas.

Depois sugiro uma visita à sua mãe ou – na falta dela – ao melhor amigo chef de cozinha que você tiver. Fundamental: que ela/ele seja sinatra em bolo de cenoura com cobertura de chocolate. E que se divirta bancando a Palmirinha, a Nigella, o Buddy. A ideia é passar uma tarde inteira degustando as notas que tornam aquela receita caseira a nona de Beethoven.

Da mistura dos ingredientes ao farelinho que não sobra no prato.

Na volta para casa, o celular está liberado. Mas apenas para receber chamadas dos Beatles e dos Stones. Cazuza precisando dizer que te ama? Vai, atende. Cássia enviando umas palavras pequenas? Ouvido nelas. Seu Zeca querendo saber o que é caviar? Não deixe o compadre sem resposta. Aquela cantada manjada do Wando? Finja que acredita: você é luz, raio, estrela e luar.

Agora vê se tira o fone quando, na saída do metrô, o rapaz do violino começar a tocar; quando o porteiro te cumprimentar; quando o vizinho entrar no elevador puxando aquela conversa de dois andares; quando a tia Chatilda ligar no seu aniversário para repetir as mil felicidades que você sabe de cor; quando seus amigos de adedanha lançarem um torpedo de saudade.

Quando seu amor chegar do trabalho e contar que o dia, sabe-se lá por que lua, foi igualzinho a todos os outros.

(Sei que o mundo parece ter engolido a pílula do Dr. Caramujo e – tal qual a boneca Emília – tagarelou a falar. Às vezes dá aquela vontade de baixar o volume. Ou desligar e pronto. Não vou negar: o silêncio na frequência certa tem lá seus acordes. No entanto, mesmo sujeito ao excesso de decibéis, prefiro deixar os ouvidos no modo on na maior parte do tempo. Escutar ainda é a melhor maneira de aprender.

O segredo para preservar os tímpanos? Escolher bem o repertório.)

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