domingo, 26 de janeiro de 2014

Big Batcaverna Brasil

Vem aí o primeiro spin-off do reality mais querido do país. O novo programa será livre, leve e soltamente inspirado na alegoria da caverna, do carnavalesco Platãozinho Trinta. Livre, leve e soltamente mesmo. Fontes ligadas à (re)produção do freakshow garantem que a alegoria terá moooiiintos adereços e – para desespero dos puristas de plantão – alas broadwaymente coreografadas.

As primeiras cenas daquele que promete ser o hit, o meme, o must! do próximo verão no horário nobre global já começaram a ser gravadas no último domingo, nas até então bucólicas ruas do Leblon, bairro carioca com mais celebridades – e Helenas – que gente por metro quadro. Tudo sob a supervisão de raio-X de Boninho, a megamente por trás (pela frente, pelos lados) do surreality show.

Vazaram na rede oito minutos do que seria uma das primeiras dê-erres dessa edição (assista ao vídeo aqui). O teaser involuntário mostra o participante Batman discutindo com um nativo, o cineasta autodeclarado milionário Dodô Brandão, que se revela inconformado com o fato de o herói e outros integrantes da Cruzada da Justiça terem marcado um rolezinho no shopping mais chique das redondezas.

Xingamentos e demais demonstrações de afinidade à parte, causaram frenesi na mídia a ojeriza de Dodô não só pelo Homem-Morcego (segundo ele, “símbolo do capitalismo americano”), mas também pelo Pinguim (vulgo Joseph Blatter, presidente da Fifa), e – talvez principalmente – a paranoia da fotógrafa maluquete em relação a um suposto plano de ocupação comunista, totalitarista, comedor de criancinhas e tucanos.

Só um senão: deveriam ter caprichado mais no microfone da Dona Doida. Algumas de suas tiradas são inaudíveis. Que o som seja ajustado até o início da temporada.

Conseguiram também um lugarzinho nos trend topics da fama efêmera a vovozilda de óculos escuros – preocupadíssima com o carnaval fora de época promovido pelo Cavaleiro das Trevas versão grupo de acesso – e o repórter francês com sotaque de Alain Delon engajado, mais perdido ali que carioca nos trilhos da Supervia após o enésimo descarrilamento da composição.

Uma coisa é certa: com tipos tão impagáveis quanto minha conta de luz em janeiro, a primeira temporada desse reality verdeamarelamente esquizofrênico – mesmo que não tenha começado de fato, e que mereça uns retoques do Sr. Edição Mãos-de-Tesoura – já é um sucesso. Isso porque em poucos takes, como nunca antes na história desse programa, fez caírem todas as máscaras.

As máscaras de um país no qual tanta gente – tão bem representada por esses futuros ex-BBBs – parece ainda estar acorrentada numa caverna, entretida com sombrinhas e outros fantasminhas nada camaradas. Gente que insiste em acreditar no “factoide” de que vivemos numa terra sem discriminação, preconceito e afins; de que todo conflito que estampa manchetes, becos e avenidas não passa de invenção de quem deseja “fomentar o ódio entre nós” e instaurar por aqui uma guerra civil.

Factoide, vamos combinar, são as madeixas acajuadas daquela vovozilda. Isso, como os brothers costumam repetir até a eliminação (não importa se BBB 1 ou 2.611), o Brasil inteiro está vendo.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Rolé da ralé

Sou do tempo em que dar um rolé podia acabar em beijo apaixonado, promessa de namoro ou, na pior das hipóteses, casamento marcado. Sorte que às vezes a tragédia não era tão grega e só se levava um toquinho básico. Nada demais. Curava-se o fora com outro rolé, na companhia dos amigos e de algumas biritas.

Só que o mundo não é mais o mesmo. O clima esquentou no planetinha que em priscas eras se julgou plano, um belo dia se descobriu tão redondo quanto uma abóbora e parece, enfim, ter encontrado sua verdadeira forma: a de um octógono. Qualquer discussão – até as que costumavam acabar em pizza com a galera – virou desculpa prum MMAzinho (antes, durante e) depois do expediente.

A batalha da vez são os chamados rolezinhos, encontros marcados por jovens via internet para dar uma voltinha nos shoppings.

De um lado do ringue, há os que consideram o “passeio” digno de aspas, cassetetes, balas de borracha e até prisão perpétua em penitenciária maranhense. O tal rolezinho seria, na verdade, pretexto para promover arrastões em centros comerciais. Mais ou menos o que os centros comerciais fazem conosco, consumidores indefesos, no Natal, no Dia das Mães ou dos Namorados.

Advogados – especialmente aqueles cujas senhoras não sabem se foram entrevistadas mais vezes pelo Amaury Jr. ou pelo Pitanguy – argumentam que os shoppings têm todo o direito de impedir a entrada de quem não pretende usar o Bolsa Família para fazer compras, almoçar ou ir ao cinema; de quem deseja, além disso, provocar tumulto e, consequentemente, causar prejuízo a lojistas e afins.

Pobre de mim então: que passo a anos-luz de qualquer vitrine já avisando que “só tô dando uma olhadinha”; que frequento o Village Mall e outros redutos cinco estrelas apenas para diminuir a sensação térmica, botar o sono em dia nas poltronas assinadas e tirar uns braggies com a Louis Vuitton ao fundo. Eu estava correndo o sério risco de ir em cana por apropriação indébita e nem sabia.

Ainda bem que do outro lado do ringue estão os sociólogos – sobretudo aqueles cujas senhoras não se tornaram primeiras-damas nem de repartição pública – e demais candidatos a Mandela. Só eles para formar um black bloc capaz de defender o direito de ir e vir da classe zê e vandalizar com a estigmatização dos pobres, a discriminação dos pretos e o apartheid do churrasquinho de gato.

Vocês leram direito: apartheid do churrasquinho de gato. Já ouvi otoridade pensando em combater não só o rolezinho, como também os ambulantes que trabalham no entorno dos Iguatemis mais sofisticados. A razão? Eles estariam mordiscando uma fatia de seus clientes premium, principalmente os mais refinados, sempre interessados em especiarias exóticas.

Agora imaginem o que seria de nós, reles assalariados, sem aquela iguaria servida a preço justo nos arredores dos melhores shoppings da cidade? Cá entre nós: se, para comer ou beber, dependêssemos dos valores cobrados por um saquinho de pipoca ou uma garrafinha d’água nas praças de alimentação espalhadas pelo país, estaríamos mais perdidos que o Caco Antibes numa floresta de cajuzinhos.

Falando em comes e bebes, está batendo uma fome... Quer saber? Vou chamar a rapaziada pra rachar uma pizza e um Dolly de dois litros no Plaza mais próximo. E ai da patricinha que postar selfie de nojo no Face e reivindicar UPP na porta da Arezzo. Os incomodados com a ralé que se mudem – e vão promover flashmob em Miami.

domingo, 12 de janeiro de 2014

La vie en bleu

Filme com efe maiúsculo não é como aquele parceiro que, mal atinge o orgasmo, vira para o lado e dorme. Filme que é filme, dos bons, não deixa você sozinho depois dos créditos, da luz acesa, da volta pra casa. Passa o tempo e ele vai ficando, ficando... Como aquele sentimento que, se não nos devora à primeira vista, aos poucos se alimenta – e nos alimenta – de um olhar, um gesto, um carinho. Azul é a cor mais quente (La vie d’Adèle no original) é desses.

O sujeito desatento sairá do cinema espalhando que assistiu a mais um filme francês: duas pessoas se apaixonam, ficam juntas, têm lá seus teretetês – e falam pelos cotovelos. O “diferencial”? As tais duas pessoas são mulheres e há umas cenas de sexo entre elas. Se o camarada for apegado a rótulos, classificará o longa como romance lésbico. Se estiver mais praquela senhorinha da segunda fileira – cuja pressão sobe com qualquer peitinho de fora –, dirá que a fita só fez sucesso porque apela pra sacanagem.

Chavões que só servem para camuflar preconceitos – contra uma cinematografia, contra uma orientação sexual, contra o próprio ato sexual.

Felizmente, o filme dirigido por Abdellatif Kechiche não só dispensa como arranca todas essas etiquetas. É uma história de amor. Ponto. Ou ponto e vírgula; é também – e talvez principalmente – a história sobre o amadurecimento de uma jovem, Adèle (a belíssima Adèle Exarchopoulos), que, de repente, se descobre apaixonada por outra mulher, Emma (Léa Seydoux).

Destaque para a direção cuidadosa, que acompanha de perto os rostos de atrizes e atores em busca das menores nuances – não esquecendo, contudo, o que ocorre ao redor deles, como na brilhante sequência em que vemos ao fundo, numa tela, momentos de um filme (A caixa de Pandora) sublinhando os pensamentos da protagonista.

O maior acerto de Azul, porém, está no roteiro, que mira a lente no romance e em suas sutilezas. Inspirado nos quadrinhos de Julie Maroh, o script de Ghalia Lacroix e de Kechiche escapa dos atalhos fáceis, que poderiam resultar em melodramices dignas de novela ruim: acertadamente, investe-se pouquíssimo tempo, por exemplo, na provável dificuldade dos pais de Adèle de aceitar o namoro da filha com uma garota; e, ainda, ignora-se o conflito que presumivelmente surgiria na escola em que Adèle dá aulas para uma classe de alfabetização, se descobrissem que ela mantinha relações homossexuais.

Outro aspecto interessante – que apenas reforça a inteligência do roteiro – diz respeito a como é retratado o rapaz que, logo no início do filme, tem um namorico com Adèle: Thomas (Jérémie Laheurte) jamais é visto como um bad boy, um aproveitador de meninas. Ele é um cara legal, parece gostar da colega de escola, e até chora quando ela termina o relacionamento – o que afasta qualquer possibilidade de Adèle “ter virado” gay porque fora maltratada por um homem.

Aliás, Azul tem como um de seus maiores méritos, se não o maior, mostrar que qualquer discussão em torno da sexualidade deste ou daquele indivíduo é – ou deveria ser – irrelevante. Adèle se apaixona por Emma, uma pessoa como qualquer outra (com suas qualidades, defeitos, manias, planos), e não uma criatura que possa ser reduzida a um par de seios ou a um pênis. O que as aproxima – ou eventualmente as separa – são, entre tantas e complexas circunstâncias, suas expectativas e ambições em relação à vida: de um lado, Emma sonha ser uma pintora famosa, reconhecida; de outro, Adèle se vê realizada ensinando crianças a ler e escrever. Aí mora o abismo.

Um abismo, outro, reside na própria protagonista e deságua explícito nas últimas cenas, que espelham as primeiras formando uma rima delicadamente significativa: agora é Adèle quem divide a leitura de um texto com seus alunos, como fazia seu professor de literatura no começo do longa (quando a jovem, ainda aluna, apenas “recebia” a aula); pouco depois, ela deixa uma galeria de arte e vira – aparentemente tranquila, certamente mais madura – a esquina de sua história, o que se contrapõe à sequência inicial do filme, em que sai de casa adolescentemente apressada, descabelada, correndo para não perder o ônibus.

Mais ou menos como acontece com cada um de nós: desde cedo corremos e até nos descabelamos atrás dos ônibus da vida; com o tempo, no entanto, passamos a correr menos, desaceleramos a caminhada – porque de um jeito ou de outro aprendemos, ainda que precariamente, o horário de suas chegadas e partidas.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Entreouvido por aí

Intimado pelas mensagens empolgadíssimas dos meus dezessete leitores – excitadérrimos com as relembrices da última crônica – e ainda por aquela lombeira macunaímica, resolvi continuar no clima retrô e recordar as historietas mais divertidas que, em 2013, chegaram aos ouvidos deste que vos fofoca. A elas.

O som ao redor
Senhorinha durante reunião de condomínio em bairro nobre do Rio:
– Favor avisarem ao 206 de que não faço a menor questão de saber que ele não tem uma cueca limpa para vestir. Obrigada.
De nada.

Montada no botocudo
Uma amiga acabou de voltar de Natal, a ensolarada capital do Rio Grande do Norte, e me contou, feliz da vida, que mergulhou, kitesurfou, esquibundou e – o melhor de tudo – passeou de bugre nas dunas. Peraí. De bugre? Pode isso, Funai?

Ficção científica
Chegou toda cheia de si:
– O mundo dá voltas.
E ele respondeu sem apelar para exclamações:
– Eu sei. O nome disso é rotação.

A desculpa do magrelo
– Sempre que entro na sua sala você está no Face – reclama o patrão. – Quando é que vou te ver dando o sangue no trabalho?
– Nunca, chefe. Meu peso não permite.


Neurônios cozidos
Aluna se aproxima para reclamar do aquecimento global em seu boletim.
– Hã?
– Isso mermo! Por que meu aquecimento global tá tão baixo?
– Querida, você não quer dizer conceito global?
– É, isso, sei lá... Cê entendeu! Agora me diz, por que tá tão baixo?
– Preciso?

Da série Lições de interdisciplinaridade
“Uma relação baseada apenas em sexo”, disse a especialista, “é como linguagem fática: só serve para testar o canal”.

Numa prova de Ciências em escola carioca
Pergunta: “Cite pelo menos um meio eficaz de prevenção contra a Aids”.
Resposta: “Beber água filtrada”.
Há testemunhas.

Da série Diálogos inesquecíveis das novelas brasileiras 
– Eu encontrei a Paulinha numa caçamba de lixo.
– Você quer dizer que encontrou a Paulinha numa caçamba de lixo?
– É isso que estou dizendo: eu encontrei a Paulinha numa caçamba de lixo.
Só faltou o flashback para provar. Não. Não faltou.

No mais
Que o ano recém-nascido seja repleto de boas histórias, risadas e... trajes limpos para todos. Os condôminos agradecem.