domingo, 29 de dezembro de 2013

Retrô

Não se preocupe. Não vou refalar das manifestações de junho, do julgamento do mensalão, das sandices do Feliciano, do sumiço do Amarildo, do Big Brother do Obama, da eleição do papa, da morte do Mandela ou do tapetão do futebol. Essas e outras eu deixo pro Sérgio Chapelin e a Glória Maria.

A ideia é, sim, revisitar o ano velho, mas partindo de pérolas publicadas por mim nas redes sociais nos últimos doze meses. Você pode achar isso preguiça do cronista, que assim se livra de escrever um texto integralmente original. E acha certo. Tenho andado com mais lombeira que o Macunaíma de férias em Salvador às cinco da manhã.

Só que não se trata apenas de evitar a fadiga: desejo que todos, especialmente aqueles que não me acompanham no Face e no Twitter, tenham a oportunidade de experimentar alguns quitutes de genialidade produzidos por estes humildes neurônios que a terra um dia há de degustar.

Não precisa agradecer. Faço isso de coração escancarado, sem interesse, talvez ainda tocado pelo espírito de Natal. Generosidade pura. Cristalina. Tão imaculada quanto as fraldas do menino Jesus.

A primeiríssima pílula vem lá do iniciozinho de janeiro, e serve para todo fim de réveillon (caso seu fígado ainda esteja funcionando): “Se comi ou se bebi, o importante é que às festas eu sobrevivi”. Falando em sobreviver, quase fiz a passagem no dia 30 do mesmo mês, ao descobrir que mussarela com dois esses era tão verdadeira quanto as boas intenções do Marco Feliciano: “Muçarela, com cê e cedilha, pode até ser legal. Mas é imoral. E engorda”.
 
O pastor, aliás, rendeu em agosto uma enquetezinha básica (e muitas curtidas de apoio), a propósito da lei contra lixo nas ruas que entrou em vigor aqui no Rio: “Só pra esclarecer: se eu jogo o Marco Feliciano pela janela do último andar de um arranha-céu, sou preso por homicídio ou levo multa de 157 reais?”.

Outra enquete de sucesso, ainda em agosto, provou que eu não estava sozinho na categoria “ouvir vozes do aquém”: “Serei eu o único sujeito na face da Terra a ler ‘op. cit.’ com a voz do Didi Mocó dizendo ‘ô, psit’?”. Muitos deixaram a poltrona e admitiram sofrer do mesmo distúrbio. Obrigado aos que tiveram tamanha coragem. Tâmu junto!

Por sinal, estamos juntos também na incapacidade de executar certas tarefas domésticas: “Dobrar lençóis de elástico é uma arte da qual jamais serei um virtuose”. Essa ficha caiu (no samba) em fevereiro, entre confetes, serpentinas e uma dorzita de cotovelo na altura do estômago: “Escutar o vizinho planejando a próxima viagem à Europa me trouxe uma certeza: inveja não mata; mas dá uma gastrite...”.

Felizmente, nem tudo são cravos e espinhas. As águas de março fecharam o verão com promessa de obra-prima – “Ainda hei de escrever uma peça chamada Monólogos do hífen” – e justiça musical – “Cantor sertanejo é detido após polícia apreender em seu apartamento duas armas, munição, maconha e meia dúzia de novas canções” –, além de uma certeza: “o carioca é, antes de tudo, um anfíbio”.

Abril, lembrando bem, não teve meia palavra digna de epígrafe. Maio, por sua vez, só foi digno de nota (dez) graças aos presentes e à piadinha de aniversário: “Trinta e três anos: só espero que não me crucifiquem por ter chegado tão longe”. Outro níver que rendeu uma bobice foi o do Franz, em julho: “Parabéns, Kafka, pelos 130 anos: você é o maior barato”.

Para não dizerem que não falei das festas juninas: e aquele dia em que o Brasil inteiro foi pra rua? as novelas das seis e das sete não foram exibidas? o Jornal Nacional se estendeu mais que as trilogias do Peter Jackson? “Quanto vandalismo: derrubaram até a grade da Globo”.

Voltando a fevereiro (e ao início do século XX): “Li no UOL que Lado a lado chegará ao último capítulo com o pior ibope da história no horário das seis. É, foi-se o tempo em que o brasileiro entendia de novela”. Correu tudo tão esquisito este ano que os americanos – bons em novela como nós em beisebol – deram um merecidíssimo Emmy para a trama estrelada por Camila Pitanga e Lázaro Ramos. Valeu novembro.

Penúltimo mês do ano, Brasileirão (quase) decidido, Cruzeiro folgado na tabela, e a confirmação de uma previsão lá de agosto: “Os botafoguenses que me desculpem: mas não rola um campeão brasileiro com Guaraviton estampado na camisa”.

Setembro: enquanto a turma da Estrela Solitária ainda acreditava no título, os fãs de uma estrelinha adolescente fincavam bandeira na porta da Sapucaí a fim de esperar o ídolo, ainda que isso significasse abandonar casa, escola e bom senso. ECA neles! “Não basta proibir os fãs do Justin Bieber de acampar mais de um mês antes do show (sic): tem que botar essa turma pra prestar serviço comunitário aqui em casa. Trabalho não falta”.

Também não faltou uma certeza, compartilhada com o mundo em outubro: “Se meu salário fosse atualizado tanto quanto as definições de vírus do Avast, a esta hora eu estaria em Paris”.Parte inferior do formulário

Ainda não estive na cidade dos brioches – mas estive em novembro. Cheguei ao mês onze como um walking dead (mais dead do que walking). Parecido com o leitor que bravamente chegou até aqui. Eu acordando toda manhã “com a sensação de que sair pro trabalho não ia agregar valor ao meu camarote”, exausto da rotina aditivada: “Dona Vida tem andado tão agitada que, quando precisa desacelerar, toma um Red Bull”.

Por isso, bastou dezembro dar o ar do panetone para eu varrer as últimas páginas da folhinha: “Botando a vassoura atrás da porta pra ver se 2013 se manca e toma seu rumo”.

Já entendi o recado da piaçava e estou tomando meu... champanhe. Me despeço desejando que o ano da Copa nos traga não apenas uma taça, mas os infalíveis votos de saúde, paz e prosperidade – requisitos de felicidade que vão muito além de um mundial de futebol. Muito além dos vinte centavos de uma bola na rede e de (mais) uma estrela no peito. Tim-tim!

domingo, 22 de dezembro de 2013

Sapatinho na janela

O que você quer ganhar de Natal?

Perguntinha mais batida que sino de Belém em tempo de Papai Noel. Eu sei. Mas vale a rabanada pensar nela – e não na resposta – nem que seja por um instante. Afinal, só o fato de ouvi-la já é um presentaço: a prova de que não estamos sozinhos no shopping (alguém está?), de que não sobramos no amigo oculto, de que uma criatura que não nós mesmos ou o Bom Velhinho se preocupa conosco a ponto de cogitar nos dar ao menos uma lembrancinha.

Temos andado – temos corrido os cem metros rasos, isso sim – tão focados e sufocados nos smartphones, tablets, games, tevês, cedês, devedês, sandálias, sapatos, perfumes, camisas, vestidos, bijus, brinquedos, livros, chocolates, panetones e outros mimos amarráveis com laço de fita, que mal conseguimos escutar o ho! ho! ho! de quem se dispõe a descer de sua chaminé para nos conceder duas castanhas de atenção.

Culpa do excesso de decibéis (jingoubéis?) da vida muderna, aparentemente em seu volume máximo: jingle all the way. De repente, é como se a Simone, acompanhada dos Canarinhos de Petrópolis, descesse de helicóptero bem no meio do Maraca e começasse a repetir discoarranhadamente “então é Natal e Ano Novo também” em nossos pobres aparelhos auriculares.

Parem o trenó que eu quero descer.

Pois desçamos dele por um instante: um instante e uma rabanada. Findo o primeiro e digerida a segunda – não necessariamente nessa ordem –, pensemos na resposta àquela perguntinha do início com cuidado, sem o corre-corre das últimas compras. Talvez eu pedisse uma realidade menos barulhenta, habitada por políticos menos odoricos, religiosos menos felicianos, celebridades menos bebebestas, manifestantes menos black blocs, jovens (e não tão jovens) menos selfies; gente, enfim, menos surdamente exibicionista, menos obcecada por uma vitrine, menos disposta a falar, falar, falar e impor sua voz a qualquer custo.

Quem sabe assim despertássemos no dia 25 e encontrássemos sob a árvore da sala não só pacotes cobertos de papel colorido – mas também um mundo novo, diferente, para sempre imerso naquela típica manhã pós-noite feliz, inundada em ruas de calmaria e quase-silêncio, onde só se ouve a alegria de quem acabou de desembrulhar uma surpresa.

domingo, 15 de dezembro de 2013

De caráter e caracteres

Que grande parte da espécie humana não vale o meme que curte nem o selfie que compartilha, o Face inteiro sabe. Mas há exemplares que extrapolam todos os caracteres do bom senso e estão sempre nos trending topics da imbecilidade, quando não do mau-caratismo. Autênticos spams da vaidade e do preconceito, não fariam falta alguma se fossem deletados do feed nosso de cada dia.

Falo do maior humorista nunca antes visto na história deste país, quiçá deste universo, o eternamente sexista – se lê ce-que-cis-ta – Danilo Gentili. Pois esta semana ele deu mais uma prova de que honra seu sobrenome. Só que não. Tudo começou na última terça-feira, quando o nobre entrevistou em seu Agora é tarde um escritor autodenominado especialista em caviar e movimentos sociais.

Após o bate-papo (a que não assisti porque estava plantando tubérculos da família das solanáceas), uma internauta foi ao Twitter e se atreveu a escrever a seguinte crítica: “O Jô Soares é de direita, mas é respeitado, pois tem conhecimento (leitura). Agora, esse Danilo Gentili cita a Forbes. Ridículo”. Pa-ra-quê? Pouquíssimo tempo depois, o apresentador já estava online para responder à estilingada com um tiro da bazuca, e seu peculiar bom humor, claro: “Chupadora de rola de genocida e corrupto detected. Quem quiser deixá-la molhadinha, basta assassinar alguém. Ela pira!”.

 

Nossa. Imagine se a moça ainda revelasse ao mundo que Gentili leva a Veja pra cama toda noite. Se bem que, nesse caso, talvez ganhasse um elogio. Quem sabe até um CD do Roger de brinde.

 

Mas não. A fúria do rapaz não parou no alerta sobre – só para ser mais gentil – a esquizofrênica apreciadora de charutos cubanos. Logo nosso projétchio de David Letterman convocou seus asseclas a atacarem a jovem. Mais uma vez, com aquele peculiar bom humor, além de certa dificuldade na concordância verbal: “Fanzocas a xingue [sic] de puta”. Não é que parte considerável de seus cinco milhões de seguidores obedeceu? Mulheres, inclusive.

 

Não demorou que a mais nova maior polêmica de todos os tempos da última semana tomasse conta das redes sociais e Gentili viesse a público se defender: “Ela apareceu do nada na minha TL me xingando gratuitamente. [...] A dondoquinha só pode xingar os outros, mas receber um xingamento como resposta não pode! Judiação, não é mesmo? Ela só quer a metade da lei natural – a da ação. A da reação, ela considera desrespeito. É a ditadura do coitadinho, que só pode ofender, mas não pode ser ofendido”.

 

Impressão minha ou o gajo, bancando a vítima, assinava um atestado de covardia? Ele, pobrezinho, indefeso, mais cinco milhões de seguidores, contra ela e seus mil ratos pingados. Não teria sido melhor, mais inteligente (eu sei, é pedir muito), apenas ignorar a estilingada da internauta? Como bem li por aí, a mosca permaneceria mosca e o cavalo, cavalo. O feed nosso de cada dia continuaria rolando.

 

Só que o cavalo, ainda tentando se defender da “comuna” (outro adjetivo usado pelo ilustre equino), guardava um derradeiro coice, digno dos mais brilhantes tratados de filosofia, de fazer Platão se trancar na caverna e não querer mais sair de lá: “Qual é a conclusão [disso tudo]? Que o que falta mesmo é um pau bem grande no cu de todo mundo. Reflitam sobre isso. Esse é o desafio para 2014: mais pau no cu de todo mundo”.


Já refleti. Como refleti. Aliás, passei meio segundo inteirinho refletindo. E também cheguei a uma conclusão: gente como Gentili não gera gentileza.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Grandes atores

Faz quase uma semana que deixei Jasmine falando sozinha no banco da praça, e ainda estou impregnado de sua fragrância azul, de seus olhos borrados de rímel e desilusão, olhos que exalavam a condição de eterna órfã em busca de um mundo adotivo. Que nem precisava ser tão grande assim – bastava caber numa Louis Vuitton.

Cate Blanchett só não leva o Oscar se o Daniel Day-Lewis resolver incorporar a Meryl Streep num filme do Spielberg com roteiro do Woody Allen.

A propósito, o roteiro de Allen: cheira ou não, mesmo que de leve, aos rocamboles de coincidências que (nem sempre) saboreamos no horário das nove? Não bastasse a irmã de Jasmine (Sally Hawkins) esbarrar com a traição do cunhado naquela cidadezinha de uma rua só que é Nova York, seu ex (Andrew Dice Clay) ainda surge no ato final – no meio de outra cidadezinha de uma rua só que é São Francisco – apenas para botar água no champanhe da protagonista.

Nem vou lembrar o fato de Jasmine, disposta a renascer das cinzas como uma nova Candice Olson (Google nela, gente), ter encontrado um príncipe tão encantado, tão inacreditavelmente sob medida, que procurava alguém justamente para – tchan tchan tchan tchan – decorar sua nada humilde residência.

É nessas horas que fica mais fácil se deixar adotar por um mundo que não viaja de primeira classe e sofre até com epidemia de zumbis, como o de The walking dead. Taí outra fragrância – fragrância não, odor – da qual também estive impregnado, a de carne humana apodrecendo, desde o episódio em que o Governador (David Morrissey) enfim invadiu o presídio no qual (sobre)viviam Rick (Andrew Lincoln) e os seus.

Poucas vezes assisti a segundos tão tensos – lindamente tensos – quanto os que antecederam a morte de Hershel (Scott Wilson). Jamais vou esquecer seu olhar doce, seu sorriso discreto, extraídos de um rosto já fatigado de tantas perdas. Com rara delicadeza, Wilson mostrou as vísceras de seu personagem, e só não terá um Emmy na sua estante em breve se o Apocalipse de fato tomar conta do planeta.

Ou se o Daniel Day-Lewis – sempre ele – cismar de fazer uma pontinha de morto-vivo nos próximos capítulos do seriado.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Falta de assunto

Bem que me disseram: um dia você ainda vai usar esse título. Cedo ou tarde, vai acordar sem ter o que escrever. Sem a menor ideia do que falar. Com a cachola mais vazia que carrinho de supermercado no fim do mês. O dia enfim chegou. E chegou chegando: tomou conta do sofá feito o Zé Dirceu tomando conta de sua cela na Papuda. Dando ordens, distribuindo tarefas, decretando a hora de fazer isso e aquilo.

Praticamente o rei do camarote.

Será? Fico tentando imaginar como certos jornalões conseguem saber TUDO que acontece entre quatro paredes; no caso, entre quatro muros imensos, decorados de arame farpado e cerca elétrica. Até diálogos inteiros – com direito a todas as interjeições – são reproduzidos em determinadas matérias. Das duas uma: ou o repórter é o Ethan Hunt do jornalismo investigativo ou... o Gilberto Braga.

Mas política não é meu forte. Eu não sobreviveria meia edição entre Merval Pereira e Diogo Mainardi. Teria logo um mal súbito e morreria abraçado à ficção.

Falando nela, talvez minhas ideias para um novo romance dessem uma crônica que valesse o domingo. Ou pelo menos a manhã de. Tenho pensado muito numa trama que envolva um ex-ator pornô cujo maior sonho é produzir chocolates finos, uma adolescente que devora borboletas, uma senhorinha viciada em zumbis e, claro, dois ou três cavaleiros templários em busca da Verdade maiúscula da humanidade.

Só ainda não sei se a história se passará no subúrbio do Rio ou em alguma cidade medieval do Leste Europeu.

O que sei é que ninguém está aí para os delírios de um escritor (sic) com quase tanta imaginação quanto autor de novela ou jornalista responsável por cobrir mensalices no país das maravilhas. Nessas horas de página em branco, o melhor é recorrer ao caixa dois da memória e resgatar de lá uma inconfidência das boas. Fofoca nua e crua, malpassada no máximo. O leitor curte à beça e ainda compartilha com os amigos.

Pois então: sonhei a semana inteira com o ministro Joaquim Barbosa. Sério. Ele subindo a rampa do Planalto – faixa verde-amarela no peito – e bradando retumbantemente cadeia já, de preferência em regime fechado, para os que insistirem em chamar a Friday de Black. A Fraude, digo, a Friday é Afro-Descendant e pronto. Caso encerrado.