domingo, 21 de outubro de 2012

Feitiço do tempo

Ah, o Aparício.

Todo dia o pobre coitado chega em casa feito fugitivo  fugindo do trabalho que apenas tolera, do trânsito que engarrafa suas horas, do caixa eletrônico que entra em atualização justo na sua vez, da fila na farmácia que não anda, da vizinhança que reclama, das más notícias que o Bonner continua a ler, da mortadela que venceu há uma semana.

Do mundo que insiste em ser mundo.

Sorte dele que naquela quarta-feira seu controle remoto estava de ótimo humor e o levou até a Idade Média. Ah, a Idade Média. Não espanta que a uma vez chamada Idade das Trevas sirva de oásis na vidinha desértica de Aparício. Pelo menos aquela recriada em Áquila, onde o feitiço de um bispo impede o encontro entre Isabeau e Navarre.

Qualquer cinéfilo (e Aparício é um) conhece a lenda da bela mulher que é falcão enquanto há sol e do nobre cavaleiro que é lobo enquanto há lua. Dos amantes que, mesmo tão próximos, nunca se veem, jamais se tocam. Até o instante mágico em que um eclipse gera um dia sem noite, uma noite sem dia, e o casal pode finalmente derrotar o vilão, quebrando o encanto maldito.

(Para o leitor mais distraído, esquecido ou novinho, estou falando do clássico sessãodatardiano Ladyhawke – O feitiço de Áquila, longa de 1985 dirigido por Richard Donner e estrelado por Rutger Etienne Navarre Hauer, Michelle Isabeau d’Anjou Pfeiffer e Matthew Phillipe Gaston Broderick, vulgo Rato.)

Pois ironia das ironias: não é que duas horinhas naquelas florestas de névoa, naquelas montanhas de neve, naquelas fortalezas de pedra, naquelas masmorras de breu salvaram nosso amigo em fuga de mergulhar mais uma vez nas... trevas?

Pena que por pouco tempo. O tempo de um filme velho na tevê. De um feitiço que se desfaz quando os créditos sobem. De um eclipse que sai de cena antes de os corações serem felizes para sempre. De um sonho que irremediavelmente se transforma em pesadelo ao encarar os bispos nossos de cada dia.

De um Aparício que já acorda assustado por saber que, lá fora, o mundo insiste em ser mundo. E o caixa eletrônico continua atualizando.

5 comentários:

  1. Parece interessante ,porem filmes medievais não é muito a coisa que eu gosto. Mas o texto esta perfeito e padronizado.

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  2. Saudades de rever este filme que passava muito na sessão da tarde no passado . Muito bom !!!

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  3. Belo post...e muito engraçado apesar de ser muito real...mas esse filme realmente marcou uma época...mas bola pra frente a realidade é dura porém nos dá momentos realmente encantadores e mágicos também...Excelente texto...#sempre!!!Com todos os créditos!!!rsrs
    BJUX http://alternativassonoras.blogspot.com.br/

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