quinta-feira, 1 de março de 2012

A vida em preto e branco

Como eu gostaria de ser suficientemente corajoso ou cretino − ou um pouquinho dos dois − para começar e terminar esta crítica, crônica, comentário ou coisa que o valha com a expressão "sem palavras". Não escrever mais nada. Nem uma linha. Porque os dois vocábulos, a sós, pretinhos no branco, já dizem tudo o que O artista é capaz de provocar em qualquer cinéfilo. 

Michel Hazanavicius, por sua vez, foi corajoso. Demais. Num mundo que não para de falar; que grita isto, isso e aquilo em três, quatro, até cinco (?!) dimensões; que berra com efeitos cada vez menos especiais a vida da gente − o diretor e roteirista francês abriu mão de todas as pirotecnias possíveis para contar uma história simples e despretensiosa.

A história de um astro do cinema mudo, George Valentin (o expressivo Jean Dujardin), que de repente se vê sem chão, sem tela e sem voz diante da invasão das fitas faladas; de uma jovem atriz em ascensão, Peppy Miller (a betty-boop Bérénice Bejo), que em pouco tempo vira estrela de Hollywood; e do cãozinho Uggie, fiel companheiro de Valentin e certamente o protagonista da cena mais tensa e tocante do longa, a do "Bang!".

Afora o trio ternura e os coadjuvantes vividos por James Cromwell (o motorista Clifton) e John Goodman (o produtor Al Zimmer) − aparentemente resgatados de um filme dos anos 1920 por alguma máquina do tempo, tamanha a precisão de suas atuações −, O artista orgulhosamente apresenta uma trilha sonora (composta por Ludovic Bource) a um só tempo discreta e vistosa, que não apenas realça o que vemos e não ouvimos, como também é fundamental na (re)criação daquele universo, por pouco não lhe pincelando cores.

Por falar nelas, o preto e o branco invariavelmente aquarelam de bom gosto e elegância o mais singelo dos roteiros. E, nesse caso, a palheta do fotógrafo Guillaume Schiffman não poderia ser mais apropriada. Sequências como as de Valentin retirando furiosamente lençóis que escondem diversos objetos ou destruindo desesperadamente seu acervo de filmes − repletas de sombras agressivas e quadros inclinados − têm um quê de pesadelo expressionista e sublinham com força a angústia daquele ator em decadência.

Ator que é, em síntese, a essência de O artista e talvez uma metáfora-homenagem ao próprio cinema − que muitas vezes arrasa quarteirões e corações, alcança o topo das bilheterias, depois cai vertiginosamente, é engolido pela areia movediça do fracasso, é sentenciado de morte, mas se reinventa, levanta, sacode a areia, sapateia com graça e dá a volta por cima. Como se tudo não passasse de uma grande brincadeira.

E não deixa de ser. Com direito a final feliz e "The End" em letras garrafais.

5 comentários:

  1. adoro esse filme!

    http://somethingaboutbooks.blogspot.com tá rolando promoção de GOSSIP GIRL, participe e concorra a primeira temporada completa!

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  2. Tem que amar verdadeiramente o cinema em sua essência para compreedê-lo e amá-lo, que linda homenagem a sétima arte e que charme de Jean Dujardin... Não há palavras pra quando algo é belo demais...
    Amei o texto!
    http://mariliatasso.blogspot.com/
    Abs...

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  3. Não só filmes, mas fotografias preto e branco são fantásticas. Transmitem um algo a mais, um charme e tocam cada detalhe de forma única.

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  4. Quando soube que o filme era preto e branco e mudo, não fiquei com nenhuma vontade de assistir! Mas confesso que quando o filme conquistou os 5 Oscar, fiquei mais curiosa em relação à ele.
    Agora, depois de ler sua resenha me despertou uma vontade de assistir o filme e, com certeza, estará na minha lista dos próximos filmes a assistir! Você escreve muito bem, parabéns!

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